"Todo aquele que ler estas explanações, quando tiver certeza do que afirmo, caminhe lado a lado comigo; quando duvidar como eu, investigue comigo; quando reconhecer que foi seu o erro, venha ter comigo; se o erro for meu, chame minha atenção. Assim haveremos de palmilhar juntos o caminho da caridade em direção àquele de quem está dito: Buscai sempre a Sua face."

Agostinho de Hipona



quarta-feira, 5 de setembro de 2018

“Permaneçam em mim”

Por William Lane
O convite para seguir a Jesus implica aceitá-lo como guia. Porém, implica muito mais do que isso. Seguir a Jesus não é simplesmente o mesmo que seguir um líder religioso ou um respeitável mestre aceitando os seus valores e ensinamentos, e se propor a imitá-lo e colocar em prática os seus ensinamentos. Seguir a Jesus envolve permanecer nele.

Seguir a Jesus sugere movimento, algo não estático, mas uma jornada, um andar constante. Entretanto, essa caminhada só é possível se permanecermos nele. Não um permanecer fixo como alguém que chega a certo lugar e ali permanece (Lc 24.29; Jo 10.40). Não significa chegar lá. Significa continuar no caminho e, ainda, estar unido com Cristo e perseverar no caminho. Permanecer em Cristo é, paradoxalmente,“andar assim como ele andou” (1Jo 2.6).

Mais da metade das ocorrências da expressão “permanecer” no Novo Testamento está no Evangelho e nas Epístolas de João. É um tema-chave que corresponde à ideia de Paulo da habitação de Cristo no crente (Rm 8.9-11).1 Entre os vários aspectos apontados por João, podemos ver que permanecer em Cristo envolve estar em íntima união com ele, viver a vida dele em nós e produzir os frutos dele.

Permanecer em Cristo é estar em união com ele do mesmo modo como ele está em união com o Pai. Jesus declara que as palavras que ele diz e as obras que faz não são dele, mas do Pai, que nele permanece (Jo 14.10). Essa mesma união do Filho com o Pai deve representar a união do crente com Deus e Jesus. Assim como o Pai está em Cristo e Cristo está no Pai, também o crente tem de ser um em Cristo (Jo 17.21-23).

A união com Cristo significa não apenas que ele vive em nós, mas também que a nossa vida não é nossa. Seguir a Jesus é deixar que a vida de Jesus floresça em nós. Paulo expressa isso nas seguintes palavras: “Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim” (Gl 2.20, NVI). Como coloca A Mensagem, “meu ego não ocupa mais o primeiro lugar. Pouco me importa parecer justo ou ter um bom conceito entre vocês: não estou mais tentando impressionar Deus”. À medida que deixamos o Espírito de Cristo (1Jo 3.24; 4.13) e a sua palavra (Jo 8.31; 15.7; 1Jo 2.24) habitarem em nós, permanecemos nele.

João ilustra bem isso com a figura da videira e seus ramos. Jesus é a videira, nós somos os ramos. Nossa vida depende da seiva do tronco. Sem Jesus “vocês não podem fazer coisa alguma” (Jo 15.5, NVI). O ramo produz fruto porque permanece na videira. O fruto não é do ramo, mas da videira. Permanecer em Cristo redunda em carregar o fruto que ele produz em nós. Não produzimos o nosso fruto, isto é, nossas aspirações, ativismo e realizações. Somos instrumentos do fruto que ele produz em nós.

As consequências desse permanecer em Cristo é viver no amor e afastar-se do pecado, pois quem permanece nele não vive pecando (1Jo 3.6, 9). Amar a Deus e o próximo são termômetros de Cristo em nós, pois quem não ama permanece na morte (1Jo 3.14).

Em época de crescente individualismo e narcisismo é estranho dizer que temos de morrer para nós mesmos e deixar Cristo viver em nós. O fato é que, se formos sinceros, perceberemos que, mesmo no individualismo, estamos tentando viver a vida de um outro, isto é, aquilo que a sociedade, os amigos e os valores modernos nos dizem que é certo. Buscamos firmar nossa identidade sobre os pilares da beleza física, da intelectualidade, do sucesso profissional, dos bens materiais e, talvez, até do altruísmo moderno. Deixamos de viver a nossa vida. Tomás de Kempis diz: “Em escravidão vivem todos os ricos e egoístas, os cobiçosos, curiosos, que gostam de vaguear, buscando sempre as delícias dos sentidos e não as de Jesus Cristo”.2

Seguir a Jesus é também deixar de viver nossa vida, permanecer nele e deixar que Cristo viva em nós. É um permanecer interior. Não é seguir exteriormente costumes, normas, hábitos, rituais e aparências. É estar nele e ele, em nós.


“Deus, dá-me força para resistir, paciência para sofrer, constância para perseverar.”Tomás de Kempis

Notas
1. Verbrugge, Verlyn D. Novo dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2017. p. 384-385.
2. Kempis, Tomás de. Imitação de Cristo. São Paulo: Martin Claret, 2001. p. 103.

• William Lane é pastor presbiteriano, doutor em Antigo Testamento e professor acadêmico da Faculdade Teológica Sul-Americana, em Londrina, PR.

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