Mais uma parada para refletir: se um artista fosse pintar um quadro que representasse a sua caminhada cristã, de que forma ele a retrataria? Seria uma imagem cruciforme, como propôs Jesus aos seus discípulos, isto é, seria uma pessoa pendurada em uma cruz, derramando a sua vida pelos que estivessem próximos, com os olhos voltados para o céu ̶ como o Mestre (Lc 23.46-48)? Contemplemos, por um momento, esse impressionante quadro.
Uma pessoa pendurada em uma cruz
Não sentada no trono de si mesma. Não acomodada no conforto. Não como Pilatos nem como Herodes, confortáveis em seus palácios enquanto o Rei dos reis era levantado no Calvário (Lc 23). Não como Lísias, Félix, Festo ou Agripa, sentados para julgar um cristão, em vez de se colocarem de pé para honrá-lo (At 21-26).
Não como um “reizinho”, cujo deus é o umbigo; inimigo da cruz, antagônico a Cristo (Fp 3.18). Não tentando impor a sua vontade pela força, como o gentio Faraó (Êx 14.5) ou o judeu Jeroboão (1Rs 13.4).
Mas, sim, como uma pessoa que foi levantada e disposta a ser pregada e suspendida, nua, em uma cruz. Dos braços cruzados do legalismo (Mt 23.1-4) e acorrentados pela libertinagem (2Pe 2.10, 19) para os braços abertos da liberdade (Gl 5.13-14). Como o Cristo Redentor; como o pai do filho pródigo (Lc 15.20). Da servidão libertária para a libertação serviçal.
Uma pessoa suspendida entre o céu e a terra. Da segurança dos pés no chão para a tensão no ar. E que, ainda assim, não desce da cruz. Que se apoia naquele que não tinha onde reclinar a cabeça (Mt 8.20). Que prefere ser sustentado sobre as águas pela Palavra do que pelo mero material de uma obra humana (Mt 14.29).
Nua. Deixando todo o peso aos pés da cruz, para seguir, sem sobrecarga no coração, o caminho de Jesus. Como o Mestre, só com um avental (Jo 13.4) ̶ sem roupas resplandecentes (Lc 23.11). Livre de todo pecado ou peso desnecessário, que poderia embaraçar a caminhada (Hb 12.1). Não levando nada que não a deixe leve (Mt 10.9-10), a fim de poder seguir, sem impedimentos, para onde o Espírito soprar (Jo 3.8; At 8.39).
Derramando a vida pelo próximo
Não retendo a vida para si mesmo. Mas com as mãos abertas, prontas para receberem as fincadas (Dt 15.7; Hb 10.34). Afinal, “mais bem-aventurada coisa é dar” (At 20.35). Como resumiu Jim Elliot: “Não reter o que não pode manter, para ganhar o que não pode perder”.
Com o próprio sangue escorrendo, para regar o arredor. Irrigação vívida para a semente da Palavra. “O sangue dos mártires é a semente da igreja.” A motivação? Ver o fruto dessa “jardinagem” (Is 53.11), colocando a felicidade na felicidade do outro (Hb 12.2). Afinal, “Deus ama ao que dá com alegria” (2Co 9.7). Como resumiu John Piper: “Amar amar”. Senão, nenhuma entrega se aproveitaria (1Co 13.3).
Mas morrendo para vivificar! Não mera morte. Mas mortificação da carnalidade, com as lágrimas e o suor do Getsêmani. Uma entrega não a partir da falta e da carência, incompleta ̶ como no triste suicídio. Mas, sim, a partir da plenitude que transborda, como na jubilosa ressurreição.
Com os olhos voltados para o céu
Para o “Pai”, a fonte e o alvo da vida: “Nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23.46). Tendo como motivação última viver a vida como dádiva e oferta de fé, devolvida a Deus com esperança (2Co 2.14), isto é, com o amor ao próximo contextualizado e qualificado pelo amor a Deus. Afinal, na Bíblia, o amor é esse fluxo da vida divina: de Deus, para o coração, para o próximo, de volta para Deus. Não é à toa que, no prenúncio batismal da cruz, esse amor foi anunciado e sinalizado com o Espírito em forma de pomba e a declaração: “Meu Filho Amado!”.
Que Deus nos dê essa graça do Espírito Santo de, amados, amarmos ̶ para que o retrato de nossa vida seja como o retrato da vida do Mestre: crucificado (1Co 1.23), olhando para a ressurreição (1Co 15.58)!
“Sim, eu amo a mensagem da cruz! Até morrer eu a vou proclamar! Levarei eu também minha cruz, até por uma coroa trocar!” Afinal, “o viver é Cristo, e o morrer é ganho” (Fp 1.21).
Ó Senhor,
Para mim,
Cada vez mais,
Viver é viver para o Senhor.
Mas morrer ainda não é lucro.
Desequilibra de vez
Esse meu balanço contábil dos afetos.
Para que o genuíno extremo dos seus discípulos
Seja a minha verdadeira estabilidade!
• Jonathan Simões Freitas, 33 anos, é casado com Thalita e pai de Manuela. É professor na UFMG e atua na Igreja Esperança, na ABC², na Associação Kuyper para Estudos Transdisciplinares (AKET) e no L’Abri. Escreve no medium.com/@jonathansf.bra.
Fonte: [ Revista Ultimato Edição 373 Setembro-Outubro ]
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