Sob a perspectiva do reino, nossa espiritualidade também deve ser radical e comprometida. O reino exige um compromisso radical e completo de vida; nele não há lugar para uma religiosidade superficial e medíocre. A nossa espiritualidade é “uma fé messiânica com os olhos abertos” que compromete toda a vida. Jesus ensinou assim: “Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim” (Mt 10.37).
Um modelo histórico de radicalidade no seguir a Jesus se encontra no movimento anabatista do século 16. Milhares deles morreram como mártires. Não se sabe o número exato, mas foram mais que em qualquer outro grupo desse século. Os anabatistas aceitaram o caminho da cruz com todas as suas consequências e o fizeram sob a firmeza de sua fé, convencidos de que “onde o testemunho floresce, ali está o reino de Deus”. Um historiador menonita nos diz:
A perseguição começou ainda antes do primeiro batismo em Zurique [21 de janeiro de 1525], já que a ameaça do desterro foi anunciada em 18 de janeiro de 1525 e o primeiro encarceramento de anabatistas em Zurique ocorreu em princípios de fevereiro. Cárcere, multas e, às vezes, torturas, constituíam o procedimento normal que sofriam os prisioneiros. Eram liberados unicamente quando o prisioneiro prometia abandonar as reuniões anabatistas. Em março de 1526 já se impunham sentenças de prisão perpétua. Onde quer que o anabatismo se tornasse conhecido, se iniciavam medidas similares.
Longe de querer validar todas as experiências anabatistas, algumas delas místicas ao extremo, procuramos valorizar o aspecto da peregrinação e o lugar reservado à cruz como experiência central no seguir a Cristo. Nisto, segundo alguns, a espiritualidade destes radicais coincide em alguns pontos com a do místico espanhol São João da Cruz — também do século 11 —, que afirmava que “quem não busca a cruz de Cristo não busca a glória de Cristo”.
A espiritualidade cristã, entendida sob a radicalidade do seguir a Cristo, se fundamenta no compromisso com o reino, se alimenta da intimidade com o Rei e vive a alegria do testemunho até as últimas consequências. Dom Pedro Casaldáliga expressa melhor esse conceito quando define a espiritualidade como um testemunho coerente, que consiste em “ser o que se é. Falar o que se crê. Crer no que se prega. Viver o que se proclama. Até as últimas consequências e nos mínimos detalhes diários”.
Trecho retirado do livro “Para que Serve a Espiritualidade” de Harold Segura c., Editora Ultimato
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