O QUE É CALVINISMO
É algo muito estranho como parece difícil para algumas pessoas entenderem simplesmente o que é o Calvinismo. E, todavia, o assunto em si não apresenta nenhuma dificuldade. É um assunto capaz de ser expresso numa única frase; e isso, num nível de compreensão para qualquer pessoa religiosa. Pois Calvinismo é simplesmente a religião em sua forma mais pura. Precisamos, portanto, apenas conceber a religião em sua pureza, e isso é Calvinismo.
Em que atitude de espírito e de coração a religião é exibida plenamente? Não seria numa atitude de oração? Quando nos prostramos perante o Senhor, não meramente com nossos corpos, mas com nossas mentes e corações, assumimos uma postura que acima de qualquer outra merece ser chamada religiosa. E essa postura religiosa por eminência é obviamente apenas a atitude de total dependência e humilde confiança. Aquele que se achega a Deus em oração, não vem com um espírito de auto afirmação, mas num espírito de total dependência e confiança. Ninguém se dirige a Deus em oração dizendo: “Ó Deus, tu sabes que sou o arquiteto da minha sorte e o determinador do meu destino. Tu podes de fato fazer algo para me ajudar a assegurar os meus propósitos, após determinar quais são esses. Mas meu coração pertence a mim, e tu não podes se intrometer; minha vontade é só minha e o Senhor não pode incliná-la. Quando desejar a sua ajuda, o invocarei. Enquanto isso, o Senhor deve esperar as minhas vontades”. As pessoas podem até raciocinar dessa forma; mas essa não é a forma que eles oram. De fato, uma vez dois homens foram ao templo para orar. E um deles ficou de pé e orou para ele mesmo (pode até ser que essa expressão “para ele mesmo” tenha um significado mais profundo…), “Deus, eu te agradeço por não ser como os outros homens.” Enquanto o outro falando bem baixinho disse, “Deus tenha misericórdia de mim pois sou um pecador.” Mesmo o primeiro reconheceu certa dependência de Deus, pois agradeceu a Deus por suas virtudes. Mas não temos dúvida sobre quem teve a virtude religiosa mais puramente exibida. Cristo nos mostrou isso com clareza e ênfase.
Todo homem assume uma atitude religiosa, quando ora. Mas muitos deles parecem encaixotar, por assim dizer, essa atitude exclusivamente em momentos de oração, e a descartam de suas vidas assim que dizem Amém, pois ao levantarem seus joelhos, assumem uma atitude totalmente diferente, se não no coração, pelo menos em suas mentes. Eles oram como se fossem unicamente dependentes da misericórdia de Deus; eles raciocinam, talvez até mesmo vivam, como se Deus, pelo menos em algumas das suas atividades, fosse dependente deles. O calvinista é o homem que está determinado a preservar a atitude que ele toma na oração em todo o seu pensamento, sentimento e ação. Isto é, ele é um homem que está determinado que a religião em sua pureza deve ser exibida em seus pensamentos, sentimentos e atitudes. Essa é a base do seu modo especial de pensar, razão pela qual é chamado um calvinista; e também da sua forma especial de agir no mundo, razão pela qual ele se tornou a maior força regeneradora no mundo. Outros homens são calvinistas de joelhos; mas calvinista é aquele homem que está determinado em seu intelecto, e coração, e permanecerá sob os seus joelhos continuamente, e somente a partir dessa atitude pensará, sentirá e agirá. Calvinismo é, portanto, aquele tipo de pensamento que exibe plenamente a verdadeira atitude religiosa de total dependência a Deus e humilde confiança em sua misericórdia somente para salvação.
Existem então apenas dois tipos de pensamento religioso neste mundo, se pudermos usar impropriamente o termo “religioso” para ambos. Existe a religião de fé e existe a religião das obras. Calvinismo é a pura personificação do primeiro tipo citado; o que é conhecido na História da Igreja como Pelagianismo é a pura personificação do último deles. Todas as outras formas de ensino “religioso” que se conhece no meio cristão são apenas tentativas instáveis de se posicionar entre as duas ideias. No início do quinto século, esses dois tipos fundamentais entraram em conflito direto numa memorável forma personificada nas pessoas de Agostinho e Pelágio. Ambos estavam envolvidos numa busca intensa para melhorar a vida das pessoas. Porém Pelágio em suas exortações colocava o homem como total responsável em seus atos; eles eram capazes, declarava ele, de fazer tudo aquilo que Deus demandava deles, de acordo com suas próprias forças; de outra forma, Deus não teria demandado. Agostinho pelo contrário apontava as pessoas em suas fraquezas para Deus; “Ele mesmo”, disse Agostinho, em seu fervoroso discurso, “Ele mesmo é o nosso poder”. A primeira é a “religião” da autodependência orgulhosa; já a outra a religião de total dependência a Deus. A primeira é a “religião” das obras; a outra é a religião da fé. A primeira não é “religião” de forma alguma; é mero moralismo. A outra é tudo aquilo que merece ser chamado religião. Na proporção em que essa atitude de fé está presente em nosso pensamento, sentimento e vida, somos religiosos. Quando ela reina em nosso pensamento, sentimento e vida, então somos verdadeiramente religiosos Calvinismo é esse tipo de pensamento no qual ele se torna reinante.
“Existe um estado da mente”, diz o Professor William James em sua palestra sobre “As Variedades da Experiência Religiosa, “conhecido pelo homem religioso, mas por mais ninguém, no qual a vontade de nos afirmar e nos assegurar é substituída por uma disposição de fechar nossas bocas e nos tornarmos nada frente às enxurradas de bênçãos vindas de Deus.” Ele está descrevendo o que considera ser um verdadeiro espírito religioso, que é contrário ao que ele mesmo chama de “mero moralismo”. “O moralista”, ele nos diz, “deve prender a respiração e manter-se tenso”; pois as coisas só darão certo para ele quando ele mesmo puder fazer. O homem religioso, pelo contrário, encontra sua consolação em sua própria falta de poder; sua confiança não está em si mesmo, mas em Deus; e “o momento de sua morte moral se torna seu nascimento espiritual”. O analista psicológico conseguiu captar a exata distinção entre o moralismo e religião. É a distinção entre acreditar em nós mesmos e confiar em Deus. E quando retiramos toda a confiança em nós mesmos, e a confiança em Deus toma conta de nossas vidas, em sua pureza, temos o Calvinismo. Sob o nome de religião em seu nível mais elevado, o que o Professor James descreveu na verdade é, portanto, simplesmente o Calvinismo.
Podemos tomar o testemunho do Professor James, então, como testemunho que a religião em seu nível mais elevado é simplesmente Calvinismo. Existem muitas formas de ensinos religiosos no mundo que não são Calvinismo. Por causa disso, os ensinos mesmo na religião frequentemente (mesmo geralmente) nos oferece apenas “partículas de luz”. Não existe uma religião verdadeira no mundo, entretanto, que não seja calvinista - calvinista em essência, calvinista em suas implicações. Quando essas implicações são externadas e afirmadas, e a essência assim é exibida, obtemos o Calvinismo puro. Na proporção em que somos religiosos, nessa proporção, então, somos calvinistas; e quando a religião se exibe plenamente em nosso pensamento, sentimento e agir, então seremos verdadeiramente calvinistas. Por essa causa, aqueles que tem experimentado ao menos uma pequena amostra dessas coisas, amam com toda sua força aquilo que os homens chamam de “Calvinismo”, algumas vezes com ar de contentamento; e esse é o motivo deles se inclinarem a essa idéia com entusiasmo. Isso não é meramente a esperança da verdadeira religião no mundo; o Calvinismo é a verdadeira religião no mundo, se existe verdadeira religião no mundo.
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