“As suas mãos estão sobre o mal e o fazem diligentemente; o príncipe exige condenação, o juiz aceita suborno, o grande fala dos maus desejos de sua alma, e, assim, todos eles juntamente urdem a trama” (Mq 7.3).
O texto em epígrafe não foi extraído da Folha de São Paulo nem é uma citação do último Telejornal. É uma menção feita pelo profeta Miquéias há mais de dois mil e setecentos anos. Israel era uma nação rendida ao crime. Por não ter se arrependido, sofreu um amargo cativeiro, sob a látego dos caldeus. O Brasil segue à risca esse mesmo roteiro trágico. Vejamos:
Em primeiro lugar, a maldade é praticada com diligência. “As suas mãos estão sobre o mal e o fazem diligentemente…”. Não se trata apenas de tolerância ao erro, mas de uma inversão total de valores. Não se trata apenas de uma parcela da sociedade estar corrompida, mas esse levedo do mal, fermentou toda a sociedade, e, assim, todos estendem sua mão para fazer o mal contra o seu próximo, e isso, com diligência. O mal não é apenas praticado, mas praticado com planejamento rigoroso, com dedicação exclusiva.
Em segundo lugar, os governantes tornam-se feitores do mal e não do bem. “… o príncipe exige condenação…”. Os governantes são ministros de Deus para a prática do bem e a proibição do mal. Eles devem servir ao povo em vez de se servirem do povo. São defensores do povo e não opressores dele. Porém, aqui, o príncipe está exigindo condenação. Está usando seu mandato para oprimir o povo e não para aliviar o fardo do povo. Quando os governantes, com desfaçatez, pervertem seu caráter, maculam sua honra, rendem-se ao crime e oprimem o povo, tornam-se um pesadelo para a nação.
Em terceiro lugar, os tribunais tornam-se agência de injustiça. “… o juiz aceita suborno…”. Os juízes deixam de julgar conforme a lei para promoverem a injustiça. Julgam com parcialidade, para favorecer aos poderosos e esmagar os fracos. Os juízes escondem a verdade, amordaçam a justiça, aviltam o direito, escarnecem da lei e dão sentenças por suborno. Por causa do amor ao dinheiro, as cortes deixam de ser o refúgio dos justos para ser o esconderijo dos criminosos.
Em quarto lugar, os poderosos encontram caminho aberto para colocarem em prática seus desejos perversos. “… o grande fala dos maus desejos da sua alma…”. Quando os poderes constituídos se capitulam ao crime; quando o Estado é domesticado para favorecer os fortes e oprimir os fracos, então, os poderosos perdem o pudor e não escondem mais seus projetos iníquos. Sabem que praticarão delitos e escaparão do braço da lei. Sabem que seus crimes lhes trarão robustas recompensas. Sabem que, ainda que suas transgressões venham à baila, eles não serão exemplarmente punidos. O palácio, o parlamento e a corte, assim, deixam de ser a fortaleza da esperança do povo para tornarem-se na sua maior ameaça. As riquezas que deveriam atender as necessidades do povo são desviadas, criminosamente, para atender aos interesses dos ricos e endinheirados. Enquanto os poderosos vivem refestelando-se em seu luxo extremo, o povo geme abandonado ao descaso extremo.
Em quinto lugar, os defensores do povo se unem para oprimir ainda mais o povo. “… e, assim, todos eles juntamente urdem a trama”. A trama não é urdida por aqueles que vivem ao arrepio da lei, nos subúrbios do crime, mas por homens togados, investidos de poder, mas sem nenhum coração. O crime não vem apenas dos porões escuros da marginalidade, mas sobretudo do palácio e do parlamento. O povo aturdido não tem a quem recorrer, pois há uma orquestração bem alinhada entre os poderosos para, sob o manto da lei, transgredirem a lei. Aqueles que sobem à tribuna ou discursam nos tribunais, estadeando sua lealdade à Constituição, pisam-na. Aqueles que são escolhidos pelo povo, para servirem ao povo, exploram-no. Aqueles que deveriam administrar os recursos públicos para o bem do povo, desviam-nos para atender a ganância dos poderosos. Aqueles que deveriam ser exemplo de integridade para o povo, como ratazanas esfaimadas, abocanham as riquezas da nação, deixando o povo à míngua. Cercados por essa horda de criminosos, só nos resta clamar Àquele que tudo vê, tudo sonda e a todos conhece. Nesse tempo de desesperança, é tempo de buscarmos em Deus refúgio, unir nossa voz à voz do profeta Miquéias e clamar: “Eu, porém, olharei para o Senhor e esperarei no Deus da minha salvação; o meu Deus me ouvirá” (Mq 7.5).