"Todo aquele que ler estas explanações, quando tiver certeza do que afirmo, caminhe lado a lado comigo; quando duvidar como eu, investigue comigo; quando reconhecer que foi seu o erro, venha ter comigo; se o erro for meu, chame minha atenção. Assim haveremos de palmilhar juntos o caminho da caridade em direção àquele de quem está dito: Buscai sempre a Sua face."

Agostinho de Hipona



quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Por uma igreja mundana


“Pois Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, mas para que este fosse salvo por meio dele.” (Jo 3. 17).
 
Confesso que eu sonho com o dia em que a Igreja Evangélica Brasileira será uma igreja “mundana”. Não vejo o momento em que esse dia chegue. Evidentemente que não estou ansioso por ver uma Igreja secularizada e mundana no sentido de ser uma comunidade dessacralizada, imoral e apóstata. Não estou falando sobre a presença do mundo, como sistema de valores e de vida antagônicos ao projeto do Reino de Deus na Igreja. Mas falo de uma Igreja presente, atuante e transformadora do mundo e suas complexas realidades. 
 
A tradição protestante tem três maneiras básicas de entender a missão e a presença da igreja na história. A primeira delas, claro, é a Luterana. Para as igrejas oriundas da Reforma de Martinho Lutero, os reinos da graça e da espada, isto é, os domínios da Igreja e do Estado são radicalmente separados. Caminham juntos, lado a lado, mas estão separados como duas paralelas rumo ao infinito. Caminham para a mesma direção, estão debaixo do mesmo senhorio, o de Cristo, mas jamais se tocam. É a tão propalada e confundida separação entre Igreja e Estado. Neste contexto a Igreja não abre mão de sua missão profética de denunciar a injustiça e a iniquidade, mas, pouco faz para inserir-se no processo de transformação da realidade. 
 
A outra tradição protestante é a anabatista. Este grupo via não só a separação, mas, sobretudo o isolamento da Igreja em questões de política, economia, cultura e etc. Formaram verdadeiros guetos cristãos completamente alheios aos dramas e às demandas do mundo. Não só a alienação, mas também houve dentro dos anabatistas movimentos de resistência e não cooperação ou conformismo com o status quo, e como projeto alternativo ao mundo, apresentavam a própria comunidade de fé como o arquétipo de justiça e equidade. 
 
A terceira tradição é a Reformada ou Calvinista. Nesta concepção bíblica da fé cristã, a Graça deve misturar-se à Natureza para transformá-la a partir de dentro. Não uma Graça ao lado da Natureza para cooperar com ela, como no caso dos luteranos, nem uma Graça sobre a Natureza como os anabatistas, indiferentes aos rumos da vida, mas uma Graça interpenetrada à Natureza para elevá-la, purificá-la, socorrê-la, e dar novo dinamismo. Nesta concepção a Igreja não assume as funções próprias do Estado e nem se deixa dominar por ele, todavia, a comunidade de fé não se vê alheia das vicissitudes da vida social, política e econômica. Sua missão não se reduz à transmissão da fé e ao discurso religioso. Antes, à luz das Escrituras, treina os seus filhos para assumirem sua responsabilidade social no mundo. Não espera que o Estado faça todas as coisas pura e simplesmente. Não espera que surja uma consciência social naturalmente entre os homens de boa vontade constrangidos pela graça comum. 
 
Neste contexto a Igreja é pró-ativa. Incita seus filhos a se inserirem com o testemunho e o fermento do evangelho nas estruturas e fóruns do mundo onde as coisas acontecem, a fim de exercerem com plenitude sua condição de embaixadores do Reino, mordomos da criação e despenseiros da graça. Ali, se misturam aos outros homens para iluminá-los pelo testemunho do Evangelho vivendo uma ética de solidariedade, uma moral de princípios e atitudes que visem a edificação e a construção de uma sociedade mais justa, mais humanizada e mais solidária. 
 
Neste sentido uma igreja mundana é uma igreja misturada no mundo onde estão os grandes interesses de Deus, pois é lá que se acham não só os “perdidos” que precisam ouvir a mensagem do Evangelho, mas também é onde o inimigo atua com eficiência engendrando o veneno da corrupção política, o clientelismo, as políticas públicas que atentam contra a sacralidade da vida e a santidade da família, a manutenção da pobreza endêmica que só faz a manutenção perversa de currais eleitorais e a criação e a divulgação da arte e da cultura que disseminam a degradação humana e a desintegração da verdade, do bom e do belo. 
 
A vocação da Igreja é celeste, é escatológica, é a glória. Sua missão, porém, é o mundo concreto dos homens e mulheres, em meio aos seus dramas e conquistas, exercendo o ministério da reconciliação entre as luzes e as sombras, as dores e esperanças do século 21.
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Rev. Luiz Fernando dos Santos é pastor-mestre da Igreja Presbiteriana Central de Itapira (SP).

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Como barro nas mãos do oleiro


Jeremias 18.1-6 é um dos textos mais sugestivos da Bíblia. O profeta é chamado não para pregar um sermão, mas para fazer o sermão. Ele desce à casa do oleiro para ver como este molda o barro informe e faz dele um vaso belo, útil e precioso. Esse importante relato nos ensina grandiosas lições espirituais. Vejamo-las.


1. O oleiro dá forma ao vaso – O oleiro apanha o barro informe e amorfo e dá a ele uma forma única e singular. Nós somos como o barro. Se abandonados à nossa própria sorte, somos como barro sem vida e sem forma. Deus é o oleiro que toma esse barro, trabalha nele e o molda segundo o seu querer. O barro é totalmente passivo nas mãos do oleiro. Ele recebe a forma que o oleiro quer. O oleiro é soberano em fazer do barro o que lhe apraz. Foi Deus quem nos criou e nos deu forma. Ele é quem nos molda segundo o seu querer e para os propósitos soberanos da sua vontade. O barro não pode rebelar-se contra o oleiro nem fazer sua própria vontade. Cabe-lhe sujeitar-se humildemente ao propósito do oleiro.

2. O oleiro dá beleza ao vaso – O oleiro não apenas dá forma ao vaso, mas também beleza. A peça de barro é modelada, desenhada, pintada, levada ao forno e vitrificada. É um dos itens mais funcionais que existem e, também, um dos mais belos. Nós somos feitura de Deus. Somos o seu poema mais belo, a menina dos seus olhos, a sua herança e a sua delícia. Deus não apenas nos criou, mas também está nos modelando e nos transformando na imagem de Cristo. Deus está trabalhando em nós e nos refinando até que a beleza de Cristo seja vista em nós. Nós somos o santuário da habitação de Deus. A glória de Deus está neste santuário. As digitais de Deus e a beleza divina estão estampadas neste vaso. A glória do vaso não está em seu material. Ele é de barro, mas o que tem dentro deste vaso é que lhe dá beleza e valor. O apóstolo Paulo escreve: "Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós" (2Co 4.7).

3. O oleiro dá utilidade ao vaso – Normalmente, fazemos distinção entre o que é útil e o que é belo; entre o necessário e o elegante. Um vaso é sempre útil. Ele é moldado para ser usado com um propósito. Nós somos salvos para sermos vasos de honra. Um vaso para ser útil precisa estar limpo e sem rachaduras. Um vaso é usado para ornamentar e para transportar algum conteúdo. Como vasos de honra, refletimos a glória do nosso Deus e transportamos um senso real da sua presença. Assim como cada vaso é uma obra de arte singular, somos também obras primas do criador. Não há ser humano que não seja útil e que não tenha o seu papel dentro do propósito divino. Não há ser humano que não seja único, dotado de linhas, cores e formas, totalmente distintas de qualquer outro. Deus não faz vasos em série. Cada vaso é singular.

4. O oleiro faz de novo o vaso estragado – O oleiro não jogou fora o vaso que se lhe estragou na mão. Ele fez dele um outro vaso, um vaso novo conforme sua vontade. Deus amassa e pressiona, estica e comprime o barro. O trabalho do oleiro é reiniciado hábil e pacientemente. Deus não joga fora o vaso que foi danificado. "Não poderei eu fazer de vós como fez este oleiro, ó casa de Israel?" (Jr 18.6). Deus não desiste de nós. Ele nos dá uma segunda chance e nos oferece a oportunidade de recomeçar uma nova caminhada. Esse processo não é indolor, mas seu resultado é glorioso. Deus quebra o vaso e faz dele um vaso novo. Deus amolece o barro, amassa-o, molda-o e depois o leva ao fogo. Então, depois desse processo, renasce um vaso belo, útil e precioso, um vaso de honra!