"Todo aquele que ler estas explanações, quando tiver certeza do que afirmo, caminhe lado a lado comigo; quando duvidar como eu, investigue comigo; quando reconhecer que foi seu o erro, venha ter comigo; se o erro for meu, chame minha atenção. Assim haveremos de palmilhar juntos o caminho da caridade em direção àquele de quem está dito: Buscai sempre a Sua face."

Agostinho de Hipona



segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Ame e odeie o mundo

"Porque Demas me desamparou, amando o presente século, e foi para Tessalônica, Crescente para Galácia...”"  (2 Tm 4.10)
 
Há uma grande diferença entre amar toda a criação de Deus e amar "este século" (ou ao "mundo", palavra que ainda nos causa confusão). Defino aqui mundo como a produção humana e seu conjunto de experiências que acabam tornando a vida uma loucura, sem espaço para Deus; uma auto-suficiência idólatra onde as pessoas agem como se elas fossem deuses, criando um sistema de vida viciado na busca pelo prazer individual e no pleno exercício da ganância; o humanismo secular.
 
Logo, alguns concluem que devemos nos proteger de toda essa mazela mundana. A implementação disto seria, portanto, viver em uma comunidade isolada e cujo centro é a estrutura eclesial. Criaríamos um gueto alternativo que se exime dos processos da vida social, à margem dos espaços públicos de construção e manutenção, visto que são estruturas possuídas pelo maligno e se envolver implicaria em apaixonar-se por elas, em se misturar com o profano. Sem falar na perda de tempo em tratar de assuntos que não os levaria a um encontro com o "divino". Outra consequência seria o esmagamento das culturas, a demonização das expressões artísticas e o empobrecimento intelectual. O que resta é uma espiritualização mística doentia fruto de uma polarização platônica e maniqueísta, onde tudo que de louvável existe está no metafísico.
 
Tudo isto não passa de um grande equívoco. O medo da vã paixão não pode paralisar o amor pela criação de Deus, nem deve ser desculpa para nos eximirmos de nossa co-responsabilidade na redenção de todas as coisas. O verdadeiro amor é capaz de nos mobilizar para superar o medo e seguir adiante, exercendo nossa mui santa vocação cristã: a de transformar a sociedade.
 
Lutamos pela transformação da sociedade não porque estamos apaixonados por este mundo, mas porque o cidadão do Reino deve provocar uma influência benéfica natural no lugar onde está. Faz parte de quem o cristão é agir de forma construtiva, sinalizar o Reino e a esperança através do amor. A misericórdia ativa e globalizada está no "DNA" dos filhos de Deus.
 
Somos tentados diariamente a agir como Demas (2 Tm 4.10), a abandonar o front, esquecer da realidade futura do reino. Esquecemos que há um lugar preparado para nós ao qual nenhum lugar se compara e que nenhum homem é capaz de conjecturar. Somos tentados a esquecer que as estruturas deste mundo devem ser transformadas porque são más, que sua aparente beleza e auto-suficiência não passam de engano mortal.
 
Nosso lugar não é na fuga alienante da realidade, mas também não é na paixão por ela (ou na suposta possibilidade de viver uma vida maravilhosa distante de Deus), mas na intervenção transformadora, cumprindo o propósito para qual fomos criados, que é caminhar com o mestre fazendo boas obras de misericórdia.
 
Não amar este século não quer dizer renunciar à felicidade, tampouco deixar de apreciar o que é belo nesta terra, mas saber admirar a criação sem se deixar dominar por ela. Aproveitar cada segundo desta vida olhando através das lentes do próprio Criador, e estar pronto para deixá-la quando Ele assim o quiser. A espiritualidade cristã consiste em humildemente amar a si e amar toda criação de Deus, sem a pretensão de ofuscar o brilho da glória de Deus, de onde emanam todas as coisas realmente belas. 
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Eric Rodrigues, 27 anos, é pastor anglicano, obreiro da escola Avalanche Missões Urbanas, articulador da Rede FALE e faz parte da coordenação estadual do Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL)


ULTIMATOONLINE

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Salvação: dádiva de Deus e não conquista do homem



A salvação não é um prêmio que recebemos por causa das nossas obras, mas um presente que recebemos por causa da graça. Não conquistamos a salvação pelo nosso esforço, recebemo-la pela fé. Não é resultado do que fazemos para Deus, mas do que Deus fez por nós. Falando a Nicodemos, Jesus destacou essa verdade axial no versículo mais conhecido da Bíblia: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira, que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. Nesse versículo nós encontramos sete verdades preciosas acerca dessa tão grande salvação. 

Em primeiro lugar, a salvação é grande pela sua procedência. “Porque Deus amou…”. O Deus Todo-poderoso, criador do universo e sustentador da vida tomou a iniciativa de nos amar, mesmo antes da fundação do mundo. Seu amor por nós é eterno, deliberado, autogerado e incondicional. Deus não nos amou por causa dos nossos méritos, mas apesar dos nossos deméritos. A causa do amor de Deus não está em nós, mas nele mesmo.

Em segundo lugar, a salvação é grande pela sua amplitude. “Porque Deus amou ao mundo…”. Deus amou as pessoas de todos os tempos, de todas as raças, de todos os lugares, de todas as classes e de todos os credos. Amou não aqueles que o amavam, mas amou-nos quando éramos fracos, ímpios, pecadores e inimigos. Amou-nos não porque correspondíamos ao seu amor, mas amou-nos apesar de nossa rebeldia. 

Em terceiro lugar, a salvação é grande pela sua intensidade. “Deus amou ao mundo de tal maneira…”. Essa expressão de “tal maneira” aponta para o amor singular, incomparável e superlativo de Deus. Seu amor não foi apenas falado, mas demonstrado. Demonstrado não com cenas arrebatadoras, mas com o sacrifício supremo. O amor de Deus não foi esculpido com letras de fogo nas nuvens, mas demonstrado na cruz. 

Em quarto lugar, a salvação é grande pela sua dádiva. “Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito…”. Deus não deu ouro e prata nem mesmo um anjo para a nossa redenção. Deus deu tudo, deu a si mesmo, deu o seu único Filho. Deu-o para que ele se esvaziasse e vestisse pele humana. Deu-o para que seu Filho fosse rejeitado e desprezado entre os homens. Deu-o para que seu Filho suportasse o escárnio das cusparadas e suportasse a maldição da cruz. Deu-o como sacrifício para o nosso pecado. 

Em quinto lugar, a salvação é grande pela sua oportunidade. “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê…”. A salvação não é recebida como fruto do merecimento, mas como resultado da graça mediante a fé. A salvação não é dada àqueles que se julgam santos nem àqueles que praticam boas obras com o propósito de alcançarem o favor de Deus. A salvação é oferecida gratuitamente àqueles que crêem em Cristo. Não é crer em anjos nem em santos, mas crer em Jesus, o Filho de Deus. Jesus é o caminho para Deus, a porta do céu, o único mediador que pode nos conduzir ao Pai.
 
Em sexto lugar, a salvação é grande pela sua libertação. “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira, que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça…”. A salvação é o livramento da ira vindoura, é a soltura das cadeias da morte, é a alforria dos grilhões do inferno. Aqueles que permanecem incrédulos perecerão eternamente. Aqueles que se mantêm rebeldes contra o Filho jamais verão a vida nem desfrutarão do paraíso de Deus. Aqueles que não beberem da Água da Vida, terão que suportar o fogo que nunca se apaga. 

Em sétimo lugar, a salvação é grande pela sua oferta. “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê, não pereça, mas tenha a vida eterna”. Deus não apenas livra da condenação os que crêem, mas também oferece a eles vida eterna. A vida eterna é uma perfeita e íntima comunhão com Deus pelo desdobrar da eternidade. A vida eterna será como uma festa que nunca mais vai acabar, no melhor lugar, com as melhores companhias, com a melhor música, com as melhores iguarias, trajando vestes alvas. Enquanto a eternidade durar, desfrutaremos dessa gloriosa vida. Bendito seja Deus por tão grande salvação!

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O diabo anda por aí

Jó 1.7 nos leva a 1Pedro5.8 e 1Pedro 5.8 nos leva a Jó 1.7

Na primeira passagem, Deus pergunta ao diabo: “De onde você vem vindo?” E o anjo caído responde: “Estive dando uma volta pela terra, passeando por aqui e por ali.”. na segunda, Pedro exorta: ”Estejam alertas e fiquem vigiando porque o inimigo de vocês, o diabo, anda por aí como um leão que ruge, procurando alguém para devorar”.

Enquanto a HTLH diz que o diabo “anda por aí”, outras versões preferem dizer que o anjo caído “ronda em volta” (NBV) ou “gira continuamente” (J. B. Philips). Em outras palavras, o diabo não para, o diabo quer fazer vítimas.

A denúncia de Simão Pedro é ex cathedra, isto é, ele fala com autoridade, pois foi uma das pessoas que o diabo procurou e conseguiu abocanhar, na casa do sumo sacerdote Caifás, na Sexta-Feira da Paixão, pela manhã (Mt 26.26-75).

As voltas do diabo pela terra têm o propósito de descobrir brechas ou fendas no caráter dos cristãos pelas quais possa entrar. O diabo é um catador de rachaduras nas paredes e de goteiras nos telhados. A figura da brecha é usada pelos profetas: “vocês rejeitam a minha mensagem e põem a sua confiança e a sua fé na violência e na mentira [e] esse pecado será como uma brecha que vai se abrindo num muro alto: de repente, o muro desmorona (Is 30.13).

O amor ao dinheiro foi a grande brecha no caráter de Judas. O Evangelho segundo João registra: “Assim que Judas recebeu o pão [a senha pela qual o traidor seria revelado], satanás entrou nele” (Jo 13.27).

É preciso tomar cuidado com as rachaduras da vida. Talvez a mais comum e a mais perigosa de todas seja a busca de nome, de poder, de posições cada vez mais altas e de glória. Essa sede é inata. O seu “quase ápice” é quando alguém se passa por Deus. E o ápice é quando alguém se julga mais do que Deus.

As andanças do diabo “por aí” ou “por aqui e por ali” podem sem vista nas palavras de Jesus. O Senhor se refere a um espírito imundo que sai de um homem, vai para um lugar deserto em busca de repouso e, algum tempo depois, volta ao lugar anterior (Mt 12.43-45).

Já que a realidade, por enquanto, é esta, Pedro ordena: “Tenham autocontrole e fiquem alertas” (na tradução de Simon Kistemaker). É necessário enfrentar o diabo. Tiago aconselha a mesma providência e garante: “Enfrentem o diabo e ele fugirá de vocês” (Tg 4.7)

É essa vitória específica que nós cantamos no “Castelo forte”, de Lutero:

Se nos quiserem devorar
demônios não contados,
não nos iriam derrotar.
Nem ver-nos assustados.
O príncipe do mal,
com seu plano infernal,
já condenado está!
Vencido cairá
por uma só palavra!

Abertura da Revista Ultimato. NOVEMBRO-DEZEMBRO 2011. ANO XLIV. Nº 333

sábado, 10 de dezembro de 2011

A mortedo "EU"

Por Leonardo Golçalves
Quem é o homem? Essa é certamente uma pergunta intrigante, e ao longo da história, muitos filósofos, sociólogos e religiosos tentaram responde-la. No entanto, nós que somos cristãos, devemos buscar na bíblia a resposta para essa pergunta. E diferente do que possa opinar a maioria dos evangélicos, o ser humano não é essa criatura maravilhosa, cheia de valor intrínseco, um ser virtuoso de invejável caráter. Infelizmente, muitos dos nossos pastores estão dominados pela autolatria e apresentam o homem como uma criatura que, de tão maravilhosa, fez com que Deus se apaixonasse por ela, sendo ele mesmo (o homem) merecedor de toda honra e glória. Porém não é assim que a Bíblia diz. Ela, a Palavra de Deus, descreve o homem como um ser maligno, recheado de perversas intenções, obstinado e rebelde, totalmente incapaz de praticar a virtude com motivações puras e santas, totalmente perdido; enfim, perversamente pecador.
Essa criatura foi tão terrivelmente “enfeiurada” pelo pecado, que mesmo tendo ainda um resquício do reflexo do seu criador, ainda é mais parecida com o diabo, a quem desde a queda é atribuída a sua paternidade. Suas ações são ações imundas, seu coração é enganoso e perverso e nele, o pecado foi escrito com ponta de diamante. Ele é totalmente incapaz de, por si, converter-se em alguém melhor. Tal como o etíope não pode mudar a cor da sua pele, ou como o leopardo não pode mudar as suas manchas, assim também o ser humano, sendo continuamente ensinado no caminho da maldade, não pode converter a si mesmo. É por isso que ele precisa da graça de Deus.
E o que é graça? Graça é justamente a expressão da gratuidade de Deus. Não é a recompensa das nossas obras (já que isso seria mérito), mas um galardão sem obras. Ela existe justamente porque não merecemos coisa alguma de Deus, somos mais maus do que bons, erramos mais do que acertamos, pecamos mais do que oramos, somos injustos com as pessoas que nos amam, defraudamos amigos, somos infiéis nos contratos e compromissos e as vezes, quando nos vemos em momentos de extrema pressão e dificuldade, nos rebelamos contra a única pessoa que sempre esteve do nosso lado, isto é, Deus. Ao menor sinal de tribulação, ventilamos com Ele a nossa indignação, muitas vezes culpando-o injustamente pelos nossos desmantelos e fracassos.
Não se iluda, caro amigo, pois o homem é isso aí: Egoísta, não enxerga outra pessoa senão a si próprio. Egocêntrico, deseja que o mundo gire ao redor do seu próprio umbigo. Ególatra, idolatra a si mesmo e pensa que Deus e o universo tem o dever de trabalhar em seu favor. Inclinado ao pecado, seguirá para sempre interessando-se por aquelas coisas que, por vergonhosas que são, destroem a alma e fatalmente nos afastam de Deus. Em poucas palavras, somente um milagre para colocar esse homem no céu. Ou ainda, usando as palavras do próprio Jesus, só nascendo de novo!
Mas o que isso tem a ver com “a morte do eu”? Simplesmente tudo. Em nossa cultura de autovalorização, tendemos a exagerar no amor próprio e a fazer um alto juízo acerca de nós mesmos. Julgamos-nos melhores do que somos, e, portanto, mais dignos das afeições das demais pessoas. E por conta disso, muitos de nós vivemos com a impressão de que fomos defraudados, humilhados, ou mesmo deixados de lado (o que para o orgulhoso, é a pior forma de humilhação). “Quem ela pensa que é para agir assim comigo?”, reclamamos. “Quem é ele para desligar o telefone na minha cara?”, murmuramos. “Quem essa pessoa pensa que é para me deixar esperando assim?”, nos queixamos. Não é assim que acontece? E por que atuamos assim? Por orgulho. Simplesmente orgulho.
É claro que as pessoas precisam tratar-se da melhor maneira possível, especialmente os cristãos. A regra de ouro, “O que quereis que os homens vos façam, assim façais vós também” continua valendo. Não dá para achar que é normal a atitude de quem facilmente destrata as pessoas. Não obstante a pergunta mais importante é: “Como devemos reagir a situações como estas?” Devemos reclamar, queixar-nos, botar a boca no trombone, exigir nossos pretensos direitos, ou suportar calados, sofrer a afronta, encarar com humildade a humilhação sabendo que o sofrimento tem um caráter pedagógico e através dele Deus aperfeiçoa nossa vida e molda nossa personalidade?
Eu sei que você, amigo leitor, é plenamente capaz de “exigir seus direitos” e se impor em uma situação constrangedora como as que mencionamos aqui. Mas quantos de nós somos também capazes de suportar a humilhação, para a glória de Deus?
Eu imagino o quanto você deve estar confuso ao ler isso. E não culpo você. Infelizmente, a versão de cristianismo que foi ensinada a nós estava impregnada de jargões triunfalistas e estivemos expostos a mensagens assim por tempo demais. Frases como “Deus te chamou para ser cabeça, e não cauda”, “Você deve estar sempre por cima e nunca por baixo”, “Você está destinado a vencer!” fizeram a nossa cabeça por muito tempo e uma mudança de paradigmas é sempre dolorosa. É triste, mas o evangelho triunfalista dos telepastores, em lugar de nos unir a Deus e a Cristo, acabou separando-nos das verdades importantes do cristianismo. Por isso, mensagens como “levar a Cruz”, “morrer para nós mesmos”, “suportar a afronta” e “não pagar mal com mal” se tornaram enormemente impopulares.
E a raiz do problema, onde está? Na supervalorização que fazemos de nós mesmos. Temos um autoconceito superior aquele que deveríamos ter, pois no fim das contas, nós não somos absolutamente nada. Não somos os bons, nem os maiorais, nem merecedores de coisa alguma. Nossos pecados encheram a taça da ira de Deus, e a única coisa que poderíamos conquistar com nossos méritos é a sentença de condenação eterna no inferno! Por isso, toda atenção, carinho e apreciação que recebemos das pessoas, não podem ser atribuídas a alguma espécie de dívida delas conosco, mas à pura e preciosa graça de Deus. Entendeu?
Não merecemos palavras gentis, não merecemos tapa nas costas nem estrelas douradas na testa. Se a bíblia é verdadeira como afirmamos ser, então nós somos uns grandíssimos nadas, sustentados pela graça de Deus, da qual todos dependemos para viver, nos mover e existir.
Por isso, da próxima vez que alguém pisar na bola com você, ou te der um tratamento aquém daquele que você julga ser merecido, em lugar de irritar-se com a situação, experimente abaixar a cabeça. Use essa situação a seu favor, pois tais circunstancias costumam ser excelentes oportunidades para aniquilar o nosso ego, que é este ídolo que carregamos dentro do peito e que sempre se acha mais do que realmente é.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Apenas um vaso de barro - João Calvino (1509-1564)

2Co4.7 - Temos, porém, este tesouro. Quem ouvisse Paulo ostentar de forma tão extremada a excelência de seu ministério, e visse ao contrário quão ignóbil e abjeto era ele aos olhos do mundo, concluiria que sua ostentação era infantil e em si mesma estulta e ridícula, uma vez que baseavam seu julgamento na insignificância de sua pessoa externa. Os ímpios, especialmente, se aferravam a este fato como um pretexto que corroborava para que lançassem tudo sobre Paulo com desprezo. Porém, com a maior habilidade, ele revertia em maior triunfo as mesmas coisas que aos olhos dos ignorantes pareciam mais degradar do que glorificar seu apostolado. Primeiramente, ele se utiliza da metáfora do tesouro que geralmente não é guardado numa caixa esplêndida e ricamente decorada, senão que é depositado em algum recipiente vulgar, sem qualquer atrativo. Ele, então, adiciona que é assim que o poder de Deus é mais sublimemente glorificado e mais claramente percebido.


É como se dissesse: "Os que usam o aviltamento de minha pessoa como escusa para denegrir a honra de meu ministério, são juízes injustos e irracionais, porque um tesouro não se torna menos valioso por ser depositado num recipiente sem qualquer valor. De fato, esta é uma prática muito comum, pois grandes tesouros têm sido guardados em potes de cerâmica. Dessa forma, eles não compreendiam que as coisas foram tão bem ordenadas pela providência especial de Deus, de modo que nos ministros não deve haver qualquer aparência de excelência, a fim de que nenhuma grandeza propriamente sua obscureça o poder de Deus. Portanto, uma vez que a condição abjeta dos ministros, e a insignificância externa de suas pessoas, propiciam ocasião de Deus receber maior glória, é insensato e errôneo medir a dignidade do evangelho pela pessoa dos que o pregam." Porém, aqui Paulo está falando não apenas da condição dos homens, em geral, mas está avaliando a sua própria situação pessoal, embora seja verdade que todos os mortais não passam de vasos de barro. Tome-se o mais eminente dos homens que se puder encontrar, alguns maravilhosamente dotados de todos os dotes de berço, como intelecto e fortuna, mesmo que seja ele um ministro do evangelho, não passará de um indigno e terreno depositário de um inestimável tesouro. Não obstante, Paulo está pensando em si mesmo e em seus associados, os quais eram frequentemente tratados com desdém precisamente porque nada possuíam de externo para exibirem.

2Co4.8. Embora sejamos premidos de todos os lados. Isto é adicionado à guisa de explicação, com o fim de mostrar que a sua condição abjeta, longe de denegrir a glória de Deus, antes servia para promovê-la. "Porque", diz ele, "somos reduzidos a humilhação, mas, por fim, o Senhor abre uma via de escape; somos oprimidos com pobreza, mas o Senhor vem em nosso socorro. Muitos inimigos estão de mãos dadas contra nós, mas na proteção do Senhor estamos seguros. Noutras palavras, ainda que sejamos reduzidos a nada, ao ponto que todos pareçam superiores a nós, contudo não pereceremos." A última possibilidade mencionada, de todas é a mais séria. Veja-se como reverte ele em vantagem todas as acusações que os ímpios lhe assacavam.