"Todo aquele que ler estas explanações, quando tiver certeza do que afirmo, caminhe lado a lado comigo; quando duvidar como eu, investigue comigo; quando reconhecer que foi seu o erro, venha ter comigo; se o erro for meu, chame minha atenção. Assim haveremos de palmilhar juntos o caminho da caridade em direção àquele de quem está dito: Buscai sempre a Sua face."

Agostinho de Hipona



segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A graça de Deus, favor imerecido

A salvação do homem é vista pelas religiões do mundo inteiro apenas de dois modos: o homem é salvo pelos seus méritos ou pela graça de Deus. A salvação é um caminho aberto pelo homem da terra ao céu ou é resultado do caminho que Deus abriu do céu à terra. O homem constrói sua própria salvação pelo seu esforço ou recebe a salvação como dádiva imerecida da graça divina. Não existe um caminho alternativo nem uma conexão que funde esses dois caminhos. É impossível ser salvo ao mesmo tempo pelas obras e pela graça; chegar ao céu pelo merecimento próprio e ao mesmo tempo através de Cristo.

A soberana graça de Deus é o único meio pelo qual podemos ser salvos. Os reformadores ergueram a bandeira do Sola Gratia, em oposição à pretensão do merecimento humano. Queremos destacar quatro pontos importantes no trato dessa matéria.

1. A graça de Deus é um favor concedido a pecadores indignos. Deus não nos amou, escolheu, chamou e justificou por causa dos nossos méritos, mas apesar dos nossos deméritos. A causa da salvação não está no homem, mas em Deus; não está no mérito do homem, mas na graça de Deus, não está naquilo que fazemos para Deus, mas no que Deus fez por nós. Deus não nos amou porque éramos receptivos ao seu amor, mas amou-nos quando éramos fracos, ímpios, pecadores e inimigos. Deus nos escolheu não por causa da nossa fé, mas para a fé; Deus nos escolheu não porque éramos santos, mas para sermos santos; não porque praticávamos boas obras, mas para as boas obras; não porque éramos obedientes, mas para a obediência.

2. A graça de Deus é concedida não àqueles que se julgam merecedores, mas àqueles que reconhecem que são pecadores. Aqueles que se aproximam de Deus com altivez, cheios de si mesmos, ostentando uma pretensa espiritualidade, considerando-se superiores e melhores do que os demais homens, são despedidos vazios. Porém, aqueles que batem no peito, cônscios de seus pecados, lamentam sua deplorável condição e se reconhecem indignos do amor de Deus, esses encontram perdão e justificação. A graça de Deus não é dada ao homem como um prêmio, é oferta imerecida; não é um troféu de honra ao mérito que o homem ostenta para a sua própria glória, mas um favor que recebe para que Deus seja glorificado.

3. A graça de Deus não é o resultado das obras, mas as obras são o resultado da graça. Graça e obras estão em lados opostos. Não podem caminhar pela mesma trilha como a causa da salvação. Aqueles que se esforçam para alcançar a salvação pelas obras rejeitam a graça e aqueles que recebem a salvação pela graça não podem ter a pretensão de contribuir com Deus com suas obras. A salvação é totalmente pela graça, mediante a fé, independente das obras. As obras trazem glória para o homem; a graça exalta a Deus. A graça desemboca nas obras e as obras proclamam e atestam a graça. As obras são o fruto e a graça a raiz. As obras são a consequência e a graça a causa. As obras nascem da graça e a graça é refletida através das obras.

4. A graça de Deus é recebida pela fé e não por meio das obras. A salvação que a graça traz em suas asas é recebida pela fé e não por meio das obras. Não somos aceitos diante de Deus pelas obras que fazemos para Deus, mas pela obra que Cristo fez por nós na cruz. A fé não é meritória, é dom de Deus. A fé é o instrumento mediante o qual tomamos posse da salvação pela graça. O apóstolo Paulo sintetiza este glorioso ensino, em sua carta aos Efésios: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie. Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Ef 2.8-10).

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O olhar de cada um!

Essa semana li uma reportagem de um médico californiano que promete técnica a lazer, que transforma olhos castanhos em azuis. Embora ainda não aprovado nos Estados Unidos, testes foram realizados e muitos já estão de ‘olho’ para investir alguns milhares de dólares e conseguir o tão sonhado olhar azul.


As Escrituras Sagradas nos ensinam acerca do olhar. Veja que após criar todas as coisas, Deus viu tudo o que fizera e era tudo muito bom (Gn 1.31). Adão quando vê a mulher que Deus criara para ele, faz poesia e se alegra (Gn 2.22-23). É o olhar da contemplação, da satisfação, da gratidão! Já no relato da desobediência (Gn 3) encontramos a declaração: “Vendo a mulher que a árvore era... agradável aos olhos... tomou do fruto e comeu e deu também ao marido, e ele comeu”. O olhar da cobiça, da desobediência, da queda!



O olhar, então, pode tomar dois caminhos: o caminho do enxergar, julgar,concluir e satisfazer-se adorando a Deus em obediência, e o caminho do enxergar e ser tentado, ser seduzido, sucumbindo em pecado pela desobediência a Deus. Após uma derrota no projeto de conquista da terra prometida, Josué ora a Deus perguntando o porquê daquela situação. Deus responde dizendo haver pecado no meio do povo e mostra o culpado: Acã. A confissão de Acã reafirma o cuidado que devemos ter com nosso olhar: “Quando vi entre os despojos uma boa capa babilônica, e duzentos siclos de prata, e uma barra de ouro do peso de cinquenta siclos, cobicei-os e tomei-os; e eis que estão escondidos na terra, no meio da minha tenda, e a prata, por baixo.” (Josué 7:21). Davi e Jó, personagens bíblicos bem conhecidos, afirmam ter feito um compromisso em cuidar do que olham para não pecar contra Deus – Jó 31.1; Sl 101.3.


Aprendemos com Jesus a olhar para a Sua criação e contemplar toda grandeza e beleza presentes (você tem conseguido fazer isso?), para enxergar o cuidado, a provisão e o propósito de Deus por trás de tudo isso, experimentando descanso e vitória sobre a ansiedade – Mateus 6.25-34. Mas também aprendemos com Jesus a ter cuidado com o que olhamos, pois pode nos levar ao pecado – Mateus 5.28-29.


Olhemos dois olhares distintos. Abrão era muito rico. Com ele estava seu sobrinho Ló, que também foi ficando muito rico. Certa vez os empregados dos dois entraram em conflito, pois eram muitos habitando em um lugar que não estava mais comportando toda multidão
de rebanho. Antes de a contenda chegar ao tio e sobrinho, Abrão deu liberdade a Ló para escolher para onde ir, uma vez que a busca de novos campos era a solução. O texto bíblico registra: “Levantou Ló os olhos e viu toda a campina do Jordão, que era toda bem regada (antes de haver o Senhor destruído Sodoma e Gomorra), como o jardim do Senhor, como a terra do Egito, como quem vai para Zoar.” (Gênesis 13:10). Não é preciso dizer que após esta olhada, Ló escolheu ficar com a campina do Jordão, local bastante fértil. Ló é um homem natural, que pensa primeiro nele, em suas necessidades. Quer garantir seu amanhã, ele quer as coisas prontas. Ir para o deserto dá trabalho. Ele busca a facilidade, evita desafios, faz escolhas pela lógica e não consulta a Deus: este é o olhar de Ló!


Após a decisão de Ló, Abrão segue seu caminho em outra direção. Deus vai até ele e diz: “... Ergue os olhos e olha desde onde estás para o norte, para o sul, para o oriente e para o ocidente; porque toda essa terra que vês, eu te darei, a ti e à tua descendência, para sempre.” Gn 13.14b-15. No meio do nada Abrão é levado por Deus a olhar para o futuro. O olhar de Abrão é dirigido por Deus. Deus está do seu lado! Talvez ainda sem entender toda a dimensão daquela visão, Abrão se entrega e confia que o Deus que o levou até ali, o levará até o final. O Deus que o chamou está presente guiando sua história, provendo os recursos. Abrão crê e adora a Deus (Gn 13.18): este é o olhar de Abrão!


Como anda seu olhar? A forma como olhamos define como vivemos!

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

A conversão de Saulo, conversão pela graça

Para ler: Atos 9:1-31

Segundo John Stott em sua série intitulada: A Bíblia Fala Hoje, A Mensagem de ATOS Até os Confins da Terra, o Apóstolo Paulo quando de sua conversão, estabelece que “ a graça de Deus o capturou, inundou seu coração e o inundou como uma enchente”. Ainda segundo ele, “essa variedade de imagens lembra outra série de metáforas usadas por C. S. Lewis nos últimos capítulos de sua autobiografia. Sentindo que Deus o buscava implacavelmente, ele o compara com o “grande pescador” fisgando seu peixe, a um gato caçando um rato, a um bando de cães de raça encurralando uma raposa e, finalmente, a um enxadrista divino colocando-o na posição mais desvantajosa, até que, enfim, reconhece o “xeque mate” “ ¹.

De fato a graça de Deus é soberana, pois, “nEle vivemos, e nos movemos, e existimos, como alguns dos vossos poetas têm dito: Porque Dele também somos geração (At. 17:28). E ainda mais, “Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia (Rom. 9:16) quando o Apóstolo Paulo se refere a doutrina da eleição. Contudo, embora a atração de Deus seja irresistível, Seus desígnios sejam insondáveis e imutáveis, quanto à conversão a Cristo, cabe ressaltar certos esclarecimentos. Vejamos o que John Stott sabiamente considera tomando como base a conversão de Saulo de Tarso:  

[...] Entretanto, creditar a conversão de Saulo à iniciativa de Deus pode, facilmente, causar-mal entendidos, e precisa receber dois esclarecimento: a graça soberana que conquistou Saulo não foi repentina (no sentido de que não tenha havido preparação anterior) nem compulsiva (no sentido de que ele não tinha opção).
[...] Resumindo, a causa da conversão de Saulo foi graça, a graça soberana de Deus. Mas a graça soberana é uma graça gradual e suave. Gradualmente, sem violência, Jesus picou a mente e a consciência de Saulo com seus aguilhoes (v. 5). Então ele se revelou através da luz e da voz, não para esmagá-lo, mas de um modo que Saulo pudesse responder livremente. A graça divina não atropela a personalidade humana. Pelo contrário, faz com que os seres humanos sejam verdadeiramente humanos. É o pecado que encarcera; a graça liberta. Portanto, a graça de Deus nos liberta da escravidão do nosso orgulho, preconceito e egocentrismo, fazendo-nos capazes de nos arrepender e crer. Não podemos fazer outra coisa, senão engrandecer a graça de Deus que teve misericórdia de um fanático enfurecido como Saulo de Tarso, e de criaturas tão orgulhosas, rebeldes e obstinadas como nós.
C. S. Lewis, cuja consciência de ter sido perseguido por Deus já foi mencionada anteriormente, também expressou seus sentimentos de liberdade em resposta a Deus:
Conscientizei-me de que estava em apuros, segurando ou barrando alguma coisa. Ou, se você quiser, que eu estava vestindo uma roupa rígida, como um espartilho, ou talvez uma armadura, como se fosse uma lagosta. Eu senti, naquele exato momento, que eu tinha ganhado uma liberdade de escolha. Eu poderia abrir a porta ou mantê-la fechada; poderia tirar aquela armadura ou permanecer com ela. Nenhuma escolha era obrigatória; nenhuma ameaça ou promessa estava ligada a ela; apesar disso, sabia que abrir a porta ou sair da armadura significaria o incalculável. A escolha parecia solene, mas ela também parecia estranhamente não-emocional. Eu não era movido por desejos nem medos. Em certo sentido, não era movido por coisa alguma. Decidi abrir, soltar, tirar as rédeas. Disse “eu escolho”, mas ao mesmo tempo não parecia ser, mesmo, possível fazer o contrário. Por outro lado, eu não via nenhum estímulo. Você poderia argumentar que eu não era nenhum agente livre, mas estou mais inclinado a pensar que foi um dos atos mais livres que já realizei. Necessidade não precisa ser o contrário de liberdade, e talvez o homem seja mais livre quando, em vez de procurar motivos, ele pode dizer, “Eu sou o que faço”. [...]
[...] Conclusão
Consideramos as causas e efeitos da conversão de Saulo. O que mais nos impressiona é a graça de Deus que causou efeitos tão grandiosos, agarrando um rebelde obstinado com ele e transformando-o completamente de “lobo em cordeiro” ². A história de Lucas deveria persuadir-nos a pensar mais de Deus em relação aos incrédulos e aos recém-convertidos.
Quanto aos incrédulos, existem muitos Saulos de Tarso no mundo. Como ele, são intelectualmente bem dotados e têm caráter; homens e mulheres de personalidade, energia, iniciativa e impulso; tendo a coragem de suas convicções seculares; profundamente sinceros, mas profundamente enganados; viajando de Jerusalém para Damasco, e não de Damasco para Jerusalém; duros, teimosos, até mesmo fanáticos, em sua rejeição de Jesus Cristo. Mas eles não estão fora do alcance de sua graça soberana. Precisamos ter mais fé, mais expectativa santa, que nos levarão a orar por eles (como, com certeza, os cristãos primitivos oraram por Saulo) para que Cristo primeiro pique com seus aguilhões para depois agarrá-los definitivamente.
Mas nunca devíamos nos dar por satisfeitos com a conversão de uma pessoa. Isso é a penas o começo. A mesma graça que leva a pessoa ao novo nascimento é capaz de transformá-la à imagem de Cristo³. Todo novo convertido se torna uma pessoa transformada, e recebe novos títulos para provar esse fato: ele é um “discípulo” (v. 6) ou “santo” (v. 13) que tem uma nova relação com Deus, um “irmão” (v. 17) ou irmã que tem uma nova relação com o mundo. Se esses três relacionamentos – com Deus, a igreja e o mundo – não são vistos em um convertido confesso, temos boas razões para questionar a realidade de sua conversão. Mas sempre que sua presença for visível, temos bons motivos para engrandecer a graça de Deus.
Sola scriptura, sola gratia, sola fide, soli Del glória, solus Christus.
Notas:
1.    Surprised by joy, C. S. Lewis (Geoffrey Bless, 1955; Collins reimpressão, 1986) pp. 169-183.
2.    Calvino, II p. 273.
3.    E.g. 2 Co 3:18.