"Todo aquele que ler estas explanações, quando tiver certeza do que afirmo, caminhe lado a lado comigo; quando duvidar como eu, investigue comigo; quando reconhecer que foi seu o erro, venha ter comigo; se o erro for meu, chame minha atenção. Assim haveremos de palmilhar juntos o caminho da caridade em direção àquele de quem está dito: Buscai sempre a Sua face."

Agostinho de Hipona



segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Verdades sobre a Reforma que ainda precisamos resgatar

Por Alan Brizotti
Estamos na Semana da Reforma. 31 de outubro de 1517, Wittenberg, Alemanha. Um novo tempo começava, das ânsias guardadas no cerne de corações inflamados, surge uma nova forma, Reforma. Como um abençoado eco de Wycliffe (1328-1384), cujos ossos foram queimados trinta anos depois de sua morte, e de John Huss (1373-1415), o “ganso” que profetizou sobre o “cisne”, um tempo de redescobertas começava.

Na porta da igreja do castelo de Wittenberg, 95 teses começavam a desmontar uma história de opressão teológica. A vida de Lutero era marcada por um demolidor peso de culpa e senso absurdo do pecado, até o dia em que ele se depara com Rm.1.17, onde sua mente é aberta para a verdade transformadora da justificação por graça e fé. No século XIX, a frase mais conhecida da Reforma seria popularizada: “Ecclesia reformata et semper reformanda est” (“A igreja reformada está sempre se reformando”).

Quais são as principais verdades sobre a Reforma que ainda precisamos resgatar?

I – O resgate da justificação do pecador por graça e fé

Questão central do Evangelho: Como podemos, míseros pecadores, ser alvos da graça de Deus? John Stott dizia que “ninguém entende o cristianismo, se não entende a palavra ‘justificado’". A justificação por graça e fé começa onde há libertação dos esquemas de merecimento: indulgências, peregrinações, penitências, ativismo eclesiástico.
Reafirmar esse princípio nos leva a desmascarar teologias que priorizam o ter em detrimento do ser. É o efeito Lutero destruindo a tirania do merecimento.

II – O resgate da autoridade normativa das Escrituras

A redescoberta do evangelho tem passagem obrigatória pela oração e estudo da Palavra. Na época de Lutero, a hermenêutica estava presa aos esquemas próprios e tendenciosos de interpretação da igreja. A reforma afirma que as Escrituras têm autoridade suprema sobre qualquer ponto de vista humano. Não somos chamados a pregar uma teologia, mas o evangelho!

Lutero dizia que “no momento em que lemos a Bíblia é quando o Diabo mais se apresenta, pois tenta nosso coração a interpretar as verdades lidas segundo nossa própria vontade, e não segundo a vontade soberana de Deus”.

É preciso redescobrir a centralidade da Palavra. Reafirmar esse princípio nos leva hoje a questionar nossa hermenêutica, a assumir uma atitude bereana (At. 17. 10, 11), uma atitude de quem pensa.

III – O resgate da igreja como comunhão dos santos

Lutero amava a igreja, não queria dividi-la, mas oferecer-lhe um caminho de cura. A igreja era governada pelo Papa, e não por Cristo. Somente o clero possuía a Bíblia, isso sem falar no acúmulo de riquezas e poder da igreja enquanto o povo sofria na miséria (isso lembra alguma coisa?). Para Lutero, a igreja é o “autêntico povo de Deus”, os líderes servem à igreja, e não podem se servir dela. Por isso Lutero reafirmou o sacerdócio geral de todos os crentes – todo cristão tem a responsabilidade de anunciar o evangelho.

Reafirmar esse princípio hoje, numa sociedade do egoísmo, do individualismo e da indiferença, é assumir um chamado ao arrependimento. Esse arrependimento abrange todos os “caciques denominacionais” que ainda exploravam o povo, até às mentalidades ingênuas que, por preguiça mental, nunca progridem na fé.

IV – O resgate da liberdade do cristão

Lutero redescobre o prazer de ser livre. Como somente Deus é livre, ele nos concede a liberdade por meio de Jesus Cristo (Jo. 8.31,32 e 36). Lutero perguntava: “para que serve a liberdade do cristão?”, ao que ele mesmo respondia: “o cristão é livre para amar”. Estamos dispostos a amar hoje?

Reafirmar esse princípio significa reavaliar todo e qualquer sistema de submissão opressiva, legalismos asfixiantes, estreitamentos neurotizantes, experiências carismáticas carentes de misericórdia, que destroem a liberdade.

V – O resgate da centralidade da cruz de Cristo

Através da libertação em Cristo, o cristão se torna “um Cristo para os outros”(Lutero), portanto, quem é cristão não pode dominar sobre os seus semelhantes, sob pretexto algum. Antes, solidariza-se com o sofredor, ajudando-o a carregar a cruz. Na cruz, o cristão vê crucificado o mundo. Dela vem a nossa vocação para estabelecer o reino de justiça, igualdade e paz. É o sinal supremo do amor de Deus.

Reafirmar esse princípio significa voltar à verdade de que não somos celebridades, mas servos. Como um cristão do passado dizia, “a vida oferece somente duas alternativas: autocrucificação com Cristo ou autodestruição sem ele”.

Somos chamados a discernir o espírito de cada época. Será que estamos dispostos a assumir o “efeito Lutero” em nossa prática teológica atual? Que a igreja seja sempre uma “igreja reformada, sempre se reformando”.
Alan Brizotti homenageando a reforma no Genizah


quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A Lei e o Evangelho




Fred Malone

Dr. Fred Malone serviu como pastor da First Baptist Church em Clinton, Louisiana. Ele obteve seu bacharelado pela Auburn University, seu M.Div. pelo Reformed Theological Seminary e seu Ph.D em Novo Testamento pelo Southwestern Baptist Theological Seminary. Dr. Malone é membro do Conselho de diversas organizações, incluindo Founders Ministries, Southern Baptist Theological Seminary, o Conselho Administrativo da Association of Reformed Baptist Churches in America e o Institute of Reformed Baptist Studies at Westminster Seminary na California. É autor de vários livros e artigos teológicos, professor e palestrante em conferências e seminários teológicos.

Se eu pudesse melhorar a eficácia das pregações pastorais e o cuidado pastoral na igreja, convocaria todos os pastores para assimilar a doutrina da Lei e o Evangelho nas Escrituras. Quando pela primeira vez fui servir como sócio de Ernie Reisinger em 1977, ele exigiu que eu estudasse Romanos 6.14 sobre a Lei e o Evangelho e colocou em minhas mãos um livro: The True Bounds of Christian Freedom (Os Verdadeiros Laços da Liberdade Cristã) de Samuel Bolton. O livro de Ernie sobre a Lei e o Evangelho contém muito daquilo sobre o que conversamos naqueles dias.

Há muita controvérsia e ignorância sobre esta doutrina nos dias de hoje. Os erros nesta doutrina desovaram o dispensacionalismo, a teonomia, a nova perspectiva de Paulo, o hiperconvencionalismo, o legalismo, o antinomianismo, o evangelismo sem profundidade, a santificação superficial, os erros de adoração e o misticismo antibíblico. Mas os nossos antepassados reformados e batistas de um modo geral não sucumbiram a tais erros antes de 1900. Por que não? Creio que foi porque compreendiam a doutrina bíblica da Lei e do Evangelho. Pode-se vê-lo na suas declarações de fé e suas obras. [1] Espero que os pastores de hoje, especialmente os pastores batistas, tornem a estudar esta doutrina e reformulem suas vidas e ministérios através dessas verdades.

Charles Bridges, autor de The Christian Ministry (O Ministério Cristão), disse:

O sinal de um ministro "aprovado, como obreiro que não tem do que se envergonhar" é o "que maneja bem a palavra da verdade."... Esta revelação é dividida em duas partes — a Lei e o Evangelho — essencialmente diferentes; mas tão intimamente ligadas, que o conhecimento exato de uma não pode ser obtido sem a outra. [2]

Se o entendimento da doutrina da Lei e do Evangelho é tão importante, então cada seminário deveria ensiná-la corretamente e cada pastor deveria dominá-la. Neste pequeno artigo, vamos examinar a doutrina esquadrinhando Romanos 6.14, exegeticamente e pastoralmente.

Exegeticamente
"Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça" (Romanos 6.14).

O contexto deste versículo é a discussão de Paulo sobre santificação. Paulo ensinou que todos pecaram e perderam a glória de Deus (Romanos 1-3). Também ensinou que os pecadores arrependidos foram de uma vez por todas justificados somente pela fé em Cristo (Romanos 4-5). Essa justificação uma-vez-por-todas talvez atraia alguns a procurar vantagens na graça de Deus e continuar a pecar para que a graça abunde (6.1). Mas Paulo rejeitou tal pensamento sobre santificação como impossível para o homem justificado (Romanos 6-8). Por quê? Porque "o pecado não terá domínio (autoridade, governo, tirania) sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça" (6.14).

Esta não é uma declaração imperativa, uma ordem para obedecer. É uma declaração de fato, indicativa. Poderíamos chamá-la de promessa de Paulo aos cristãos romanos. Esta declaração explica por que é impossível para o homem justificado viver sob o domínio do pecado como acontece com o que não é convertido. Ele está debaixo da graça. Estar debaixo da graça é ficar livre da escravidão do pecado, que é o estado natural de todos os homens debaixo da lei. Deus não vai permitir a tirania do pecado na Nova Aliança de Jesus Cristo (Jeremias 32.40). "Vamos pecar para que a graça abunde" não deve ser o princípio que opera nos que foram justificadas de-uma-vez-por-todas pela fé somente (Romanos 5.1-2). Alguma coisa que existe debaixo da graça não permite. Tudo mais é fé falsa, ainda debaixo da lei.

Debaixo da Lei

Se Paulo estivesse falando apenas a cristãos judeus, debaixo da lei poderia ser uma referência principalmente à Aliança do Sinai, como em Hebreus. Contudo, os cristãos romanos eram principalmente gentios. Estar debaixo da lei nesta passagem não pode significar que estivessem antes debaixo da lei ou da aliança mosaica. Mas Paulo diz que esses gentios estavam antes debaixo da lei e, portanto, condenados sob o domínio do pecado.

Paulo explica que todos os homens estão "debaixo da lei" no que se refere a Deus em Adão como a cabeça da raça humana e, portanto, condenados pela transgressão de Adão (Romanos 5.12-19):

"Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram... Pois assim... por uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os homens para condenação... (Romanos 5.12,18).

Adão foi colocado debaixo da lei como princípio operante em seu relacionamento com Deus. Se ele obedecesse as Leis Divinas perfeitamente, seria abençoado; se as desobedecesse, seria amaldiçoado. Esta aliança-da-lei com Adão geralmente é chamada de Aliança das Obras (da Vida, do Éden, etc.; Oséias 6.7). Deus também o declarou como cabeça e representante da aliança de toda a raça humana. [3] Portanto, todos os homens estão condenados no pecado de Adão contra a exigência divina da perfeita obediência à lei. No pecado de Adão contra as Leis Divinas, enquanto estava debaixo da lei de Deus, ele e todos os seus descendentes estavam debaixo da lei com ele e ficaram sob a condenação de Deus por deixar de guardar "a Lei" perfeitamente. Todos os homens nasceram debaixo do pecado porque nasceram condenados debaixo da lei na Aliança das Obras, tanto judeus como gentios (Romanos 3.19-20).

As Leis que todos os homens são culpados de transgredir debaixo da lei são mais do que a lei particular de não comer o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. São as Leis Divinas morais, os dois grandes mandamentos, resumidos nos Dez Mandamentos, o reflexo da imagem de Deus no homem. Até os gentios, que não tiveram a revelação mosaica, fizeram "por natureza" as coisas "da Lei", com sua consciência dando testemunho, porque eles tinham a "Norma da Lei gravada no seu coração" como Adão tinha, embora agora estivessem corrompidos (Romanos 2.14-16).

O que a Lei era originalmente no coração de Adão debaixo da lei e continua escrita no coração de todos os homens? Em Romanos 2.14-16, esta Lei é definida no contexto como "a lei da natureza", o resumo dos Dez Mandamentos, que os judeus receberam depois e transgrediram (1.21,22;7.7; roubo, adultério, idolatria, cobiça). Assim, todos os homens estão condenados debaixo da lei por não obedecer perfeitamente à Lei de Deus.

Na verdade, "a força do pecado é a lei" (1 Coríntios 15.56). A Lei por si mesma pode apenas revelar a natureza santa de Deus, a imagem moral original de Deus no homem, e definir o pecado e a justiça. Ela em resumo desperta o pecado por nossa incapacidade de cumpri-la perfeitamente e não pode nos justificar (Romanos 7.8-10). Quanto mais tentamos cumpri-la para nos justificar diante de Deus, mais falhamos pecando. Todos os homens estão sob o domínio do pecado porque estão debaixo da lei diante de Deus. Portanto, o pecado é o nosso senhor enquanto estamos debaixo da lei.

Debaixo da Graça

Contudo, nosso texto também ensina que todos os cristãos verdadeiros, justificados uma-vez-por-todas, foram transferidos da condição debaixo da lei em Adão para debaixo da graça na autoridade e salvação de Cristo. Isto geralmente é chamado de Aliança da Graça. Embora a aliança de Adão fosse uma aliança com base na lei, a aliança de Cristo é uma aliança baseada na graça. Foi anunciada em Gênesis 3.15, profetizada através das "alianças da promessa" do Antigo Testamento e cumprida na Nova Aliança da graça de Jesus Cristo.

Estar em Cristo é estar debaixo da graça tão somente pela fé e não mais debaixo da lei para salvação por meio da obediência perfeita na aliança fracassada de Adão. Cada um permanece ou em Adão debaixo da lei ou em Cristo debaixo da graça, mas não em ambas as condições ao mesmo tempo. Por isso devemos pregar o Evangelho da graça a todos os homens.

Estar debaixo da graça significa que o pecado não pode ter domínio sobre nós porque a graça em Cristo nos liberta da condenação da perfeita obediência-à-Lei em Adão. Isso acontece através da vida de nosso Senhor de perfeita obediência-à-Lei e  da sua morte expiatória pelos transgressores da lei. Você não pode realmente entender a cruz sem entender a Lei. Debaixo da graça significa que Deus nos garante a justificação pela fé somente em Jesus Cristo através de Sua perfeita expiação pelo pecado e a imputação de Sua justiça perfeita como um dom. Também significa que o novo nascimento grava a Lei de Deus em nossos corações de modo que de novo temos nela prazer (Jeremias 31.31-34, 32.40; Romanos 7,22). Esta "graça na qual estamos firmes" por toda a caminhada cristã impele e fortalece o pecador perdoado a amar a Deus e guardar os Seus mandamentos sem medo da condenação. Debaixo da graça, o crente não sente mais que a obediência à Lei de Deus é um fardo que condena, mas um privilégio alegre dos salvos debaixo da graça (Romanos 3.24, 5.2, 5.15, 5.21, 6.14-15).

O cristão vive debaixo da graça de acordo com a Lei de Deus de modo que o pecado já não tem mais domínio sobre ele. Embora o cristão ainda cometa pecados contra os mandamentos de Deus mesmo debaixo da graça, o poder do pecado, que é a condenação da lei, foi quebrado. A santificação, então, é o exercício diário da fé salvadora em Cristo, redimido por Seu sangue e coberto com Sua justiça, pela fé justificadora na qual procuramos guardar a Lei de Deus debaixo da graça. Por isso Jesus disse: "Se me amais, guardareis os Meus mandamentos." A fé operante através do amor a Deus é a evidência de estar debaixo da graça. E essa fé sempre funciona.

Pastoralmente
Evangelismo

Tendo perdido a importância da Lei de Deus para revelar o pecado ao pecador, o evangelismo hoje tornou-se cada vez mais superficial. Mas "pela lei vem o pleno conhecimento do pecado" (Romanos 3.19-20). O pecado em muitas apresentações não aparece em termos de transgressão aos Dez Mandamentos e condenação diante de Deus. Portanto, o arrependimento também é deixado de fora. Como resultado, muitos que supostamente reagem ao convite do evangelho nunca se arrependeram da transgressão da lei e não se comprometeram a viver uma vida santa, obediente. Os registros em nossas igrejas batistas estão cheios deles. O verdadeiro evangelismo deve pregar o Evangelho da libertação do domínio do pecado debaixo da lei. Mas se a Lei não é usada para definir o pecado, como os pecadores saberão até que ponto são pecadores e a que tipo de vida santa estão se comprometendo?

Compreender que o Evangelho leva os pecadores a passarem da ilegalidade para a redenção e para a guarda-da-lei revitalizaria as apresentações evangelísticas e a pregação com uma explícita convocação para abandonar o pecado e seguir a Cristo como Senhor. Os erros do "cristão carnal" e o misticismo exaltado sem a orientação da Lei de Deus seriam resolvidos com o recebimento da salvação. Então a convocação para ser discípulo de Cristo seria mais do que uma política de seguro para o céu. Veríamos pecadores negando-se a si mesmos, assumindo a sua cruz diariamente e seguindo Jesus, que é uma descrição do discipulado (Mateus 16.24). Não é o que desejamos ver no evangelismo? Então temos de pregar a Lei e o Evangelho.

Santificação

Os mestres da vida cristã geralmente negligenciam a Lei de Deus por completo. A ênfase sobre "submissão completa... rededicação da vida a Cristo... segui-lo por onde Ele mandar... amar a Deus de todo o seu coração..." etc., não tem significado sem a Lei: "Se me amais, guardareis os meus mandamentos... Porque este é o amor de Deus: que guardemos os seus mandamentos; ora, os seus mandamentos não são penosos" (João 14.15; 1 João 5.3). Uma igreja não segue a Grande Comissão até que tenha feito discípulos, batizado e ensinado "a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado" (Mateus 28.18-20). A igreja que não está ensinando obediência fiel à Lei de Deus está desobedecendo a Grande Comissão. A igreja também não pode praticar a disciplina eclesiástica com fidelidade e consistência se não entender que "pela lei vem o pleno conhecimento do pecado... o pecado é a transgressão da lei" (Romanos 3.20; 1 João 3.4).

Pregação

Se a doutrina da Lei e do Evangelho está no centro da revelação de Deus ao homem para salvação e santificação, então os pastores devem ter o cuidado de pregar a Lei e o Evangelho de maneira adequada.

Para os não convertidos, precisamos ter certeza de que explicamos que eles estão debaixo da lei e não têm esperança de justificação e salvação-pelas-obras diante de Deus. Também precisamos lhes mostrar suas transgressões da Lei para que saibam que são pecadores condenados debaixo da lei e que devem se arrepender de suas transgressões-da-lei diante de Deus. Devemos lhes mostrar como Cristo cumpriu a Lei por eles e morreu para expiar suas transgressões-da-lei para que possam receber o perdão exatamente como um presente de graça. E devemos lhes mostrar que ao aceitar a salvação eles estão se comprometendo a amar Jesus Cristo e guardar os Seus mandamentos.

Para os convertidos, os pastores devem com certeza ensinar a Lei de Deus para explicar o que é a santidade. E quando ensinarem um mandamento aos santos devem ter certeza de que ensinam o Evangelho, que os santos estão debaixo da graça em Cristo quando procurarem obedecer, para não tropeçarem no orgulho, na arrogância ou na justiça-própria; ou no desespero de que sua obediência não é suficiente para Deus aceitá-los. Devemos esclarecer quando ensinarmos a obediência que "sendo justificados (uma-vez-por-todas), pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo" (Romanos 5.1). Apenas aqueles que vivem pela fé debaixo da graça terão o consolo e a força de que "o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça" (Romanos 6.14). Muitas vezes tenho ouvido pastores convocando os santos a uma vida de santidade, obediência fiel aos mandamentos de Deus, sem lhes dar o consolo do Evangelho no caminho.

Conclusão

Entender a Lei e o evangelho de maneira adequada é a chave da vida e pregação Cristocêntricas. Nós o apresentamos como aquele que cumpriu a Lei para os pecadores debaixo da lei, que vicariamente assumiu suas transgressões da lei e o juízo merecido, morrendo então sobre a cruz em um sacrifício justo diante de Deus pelos injustos. "Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus" (2 Coríntios 5.21). Agora, chamamos a todos os que estão condenados debaixo da lei a se arrepender e aceitar pela fé a reconciliação debaixo da graça e a vida eterna.

E convocamos os salvos pela graça a viver pela fé com alegria debaixo da graça e estabelecer uma vida obediente, santa, guardando a Lei com amor pelo seu querido Salvador e Senhor, que disse: "Se me amais, guardareis os meus mandamentos" (João 14.15).

Este é o remédio para o evangelismo superficial, santificação superficial, membros de igreja sem conversão, misticismo desenfreado e desorientado, sem disciplina eclesiástica. A Lei e o Evangelho são diferentes, embora sejam amigos inseparáveis. A Lei dá apoio à pregação do Evangelho, revelando o significado e a glória da cruz. E o Evangelho, que salva da condenação da Lei, manda os remidos de volta para a Lei como uma regra de vida debaixo da graça.

Notas:

1. Veja Capítulo 19 – "Sobre a Lei de Deus" na Second London Baptist Confession (1689). Este capítulo também está incluído nos credos batistas de Filadélfia e Charleston aos quais muitos dos nossos antepassados Batistas do Sul se filiam.
2. Charles Bridges, The Christian Ministry (Edinburgh: The Banner of Truth Trust, 1976), 222.
3. James P.Boyce, Abstract of Systematic Theology (1887; reprint, Pompano Beach, Florida: Christian Gospel Foundation, 1979), 234-239.

Traduzido por: Yolanda Mirdsa Krievin
Copyright © Editora Fiel 2011

Editora Fiel

sábado, 22 de outubro de 2011

E Deus amou o mundo.

Deus te reconciliou conSigo mesmo pela morte de Cristo por você.



“Completa expiação Tu fizeste,
E até o último centavo pagou 
Do que o Teu povo devia.
Não mais pode a ira de Deus sobre mim ter lugar,
Se protegido em Tua justiça
E resgatado por Teu sangue estou!”


terça-feira, 18 de outubro de 2011

Identidade, unidade e missão



identidade evangélica tem suas raízes na Reforma do século 16, quando foram levantadas as questões sobre o caminho da salvação. Durante os mil anos anteriores a doutrina da justificação pela fé ficara escondida. A Igreja Católica Romana se arrogava o direito de determinar quem seria aceito por Deus ou condenado eternamente. A Bíblia foi silenciada para a maioria dos fieis. Somente com a tradução do texto sagrado para o vernáculo é que foi possível para o homem comum confirmar sua esperança de receber a vida eterna. O resultado desse debate foi a criação das igrejas que, separadas da Romana, se identificaram como evangélicas.

Essa identidade estabelece claramente as seguintes marcas: 1) A Bíblia é a fonte última de autoridade divina. 2) A salvação é recebida unicamente pela fé no Senhor Jesus Cristo, que morreu e ressuscitou para encabeçar sua igreja invisível, isto é, somente Deus conhece quem são os que lhe pertencem. 3) Igrejas locais são identificáveis pelo seu compromisso com a pregação, o ensino da Palavra de Deus e a participação nas ordenanças que Jesus estabeleceu: o batismo e a Santa Ceia.

Se a unidade espiritual tem caracterizado os evangélicos, há, no entanto, pouco compromisso com a unidade visível. Mas quem lê o Novo Testamento não pode negar que a unidade é um dos temas mais destacados, pois o Corpo de Cristo é um só. “Façam todo o esforço para conservar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz. Há um só corpo e um só Espírito, assim como a esperança para a qual vocês foram chamados é uma só; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos que é sobre todos” (Ef 4.3-6). Desta maneira Paulo escreve para conclamar os seguidores de Cristo a reconhecerem a unidade que eles têm. Não há no Novo Testamento a sugestão de um centro de controle humano, um governo autoritário, mas sim o chamado a uma verdadeira unidade de amor entre irmãos e irmãs que pertençam à família de Deus. Os agrupamentos nas diversas denominações não devem negar essa unidade básica. Como pode haver rivalidade numa família madura que confessa que Jesus Cristo é seu Senhor? Há diversidade evangélica nas interpretações de alguns trechos bíblicos; há práticas denominacionais distintas; mas as doutrinas centrais da fé devem ser sempre mantidas e defendidas no pertencimento à identidade evangélica.

missão das igrejas evangélicas é glorificar a Deus por meio de adoração bíblica, evangelizar os que não professam uma fé genuína no Senhor Jesus e discipular as nações ensinando-as a obedecer a todas as coisas que Jesus ordenou (Mt 28.19, 20). E organizar comunidades locais onde essa missão seja claramente estabelecida.

Cristo ordena aos seus seguidores que, como “a luz do mundo”, não escondam essa luz debaixo duma vasilha. “Ao contrário, coloca-a no lugar apropriado, e assim ilumina a todos os que estão na casa. Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês” (Mt 5.14-16). É pelas boas obras que o povo de Deus mostra o amor dele pelos seus filhos e por aqueles que são marcados pela sua imagem.

Nota:Artigo publicado originalmente pela Aliança Evangélica com o título Carta Mensal de Outubro. “Identidade, Unidade e Missão” será o tema do 1º Fórum da Aliança Evangélica que acontece de 24 a 26 de novembro, em Brasília (DF).

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Russel Shedd é Ph.D. em Novo Testamento pela Universidade de Edimburgo, Escócia. Em 2012 ele irá completar 50 anos de ministério no Brasil.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A suficiência das Escrituras

A Reforma do século dezesseis foi um divisor de águas na vida da igreja e também na história da humanidade. A Reforma não foi uma inovação, mas uma restauração. Não foi a abertura de um novo caminho, mas uma volta às veredas antigas. Não foi a introdução de um novo evangelho, mas uma volta ao antigo evangelho. A Reforma foi uma volta à doutrina dos apóstolos, um retorno ao Cristianismo puro e simples. As verdades enfatizadas na Reforma podem ser sintetizadas em cinco “solas”: Sola Scriptura, Sola Fide, Sola Gratia, Solu Christu e Soli Deo Gloria. Vamos destacar agora o Sola Scriptura. 

Todas as igrejas cristãs creem nas Escrituras e aproximam-se dela como Palavra de Deus. Porém, nem todas têm o mesmo conceito das Escrituras. A Bíblia não apenas contém a Palavra de Deus, a Bíblia é a Palavra de Deus. A Bíblia não é uma dentre as regras de fé e prática, mas nossa única regra de fé e prática. Destacaremos, aqui, três pontos importantes para a nossa reflexão. 

Em primeiro lugar, as Escrituras são inerrantes. Jesus Cristo foi enfático em dizer que as Escrituras não podem falhar. Ele disse, também, que a Palavra de Deus é a verdade. Não há erros nas Escrituras. Não há contradição nos seus registros. Seus relatos não são mitológicos. A Palavra de Deus é fiel e verdadeira e digna de inteira aceitação. Nem uma das palavras de Deus pode cair por terra. Nenhuma de suas promessas pode fracassar. Pode passar o céu e a terra, mas a Palavra de Deus não vai passar. Ela permanece para sempre. Suas profecias se cumpriram, estão se cumprindo e cumprir-se-ão à risca. Deus conhece a história antes de ela acontecer. O próprio Deus que inspirou as Escrituras é quem dirige os destinos da história. 

Em segundo lugar, as Escrituras são suficientes. Nada pode ser acrescentado às Escrituras. Ainda que um anjo venha do céu e pregue outro evangelho, além do que está registrado nas Escrituras, deve ser decisivamente rejeitado. Há dois desvios perigosos com respeito às Escrituras atualmente. O primeiro deles é o liberalismo teológico. Os teólogos liberais não creem na infalibilidade nem na suficiência das Escrituras. Aproximam-se dela não com fé, mas com suspeitas; não com humildade, mas com insolência; não com submissão, mas com rebeldia. Atribuem às Escrituras muitos erros. Afirmam que ela está cheia de falhas e que seus relatos históricos estão repletos de contradição. Afirmam que seus milagres não passam de mitos. Esses paladinos do engano e arautos da incredulidade retiram das Escrituras o que está nas Escrituras, atraindo sobre si mesmos a merecida punição de seu erro. O segundo desvio é o sincretismo religioso. Há muitos crentes que olham para as Escrituras como um livro mágico, usando-a apenas como uma espécie de amuleto religioso. Não a estudam com profundidade nem a aceitam como a única regra de fé e prática. Estão sempre buscando novas revelações e correndo atrás de novos sonhos e visões para nortear-lhes os passos. Se os liberais removem das Escrituras seu conteúdo, os adeptos do sincretismo acrescentam às Escrituras suas novas visões e revelações. Desta maneira, ambas as posições são um sinal de rebeldia contra Deus e uma evidência de insolente apostasia. Não precisamos de novas revelações. Tudo que precisamos saber para a nossa salvação, santificação e serviço está contido nas Escrituras. Devemos conhecê-la, obedecê-la e proclamá-la com fidelidade e senso de urgência. 

Em terceiro lugar, as Escrituras são eficientes. As Escrituras não são apenas inerrantes e suficientes, elas são também eficientes. Elas realizam todo o propósito de Deus. Elas não voltam para Deus vazia. Elas são mais preciosas do que o ouro e mais doces do que mel. Elas são não apenas inspiradas, mas também úteis para toda a correção, repreensão e ensino. É por meio delas que Deus chama seus eleitos. É por meio delas que Deus santifica seu povo. É por meio delas que Deus consola seus filhos. É por meio delas que Deus fortalece a sua igreja e a equipada para cumprir sua missão.


quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O primeiro vira-casaca do cristianismo


Dos sete diáconos eleitos pela igreja em Jerusalém pouco depois da descida do Espírito Santo, o primeiro chamava-se Estêvão e o último, Nicolau (At 6.5).


Estêvão morreu pouco depois da ordenação. Foi jogado fora da cidade e apedrejado impiedosamente. Lucas faz as melhores referências a ele: “um homem muito abençoado por Deus e cheio de poder”, um homem tão cheio de sabedoria que “ganhava todas as discussões”, um “homem que fazia grandes maravilhas e sinais entre o povo” (At 6.5-10).


Já Nicolau, segundo os patriarcas da igreja, teria negado a fé cristã e fundado uma seita herética conhecida como os nicolaítas, “um grupo de pessoas que eram provavelmente dadas à idolatria e à imoralidade”, como se pode ver nas cartas às igrejas de Éfeso (Ap 2.6) e Pérgamo (Ap 2.14-15).


Se os pais da igreja estão corretos, Nicolau de Antioquia era, com todo respeito, um vira-casaca religioso. Muitos escritores dos cinco primeiros séculos o acusam de ser o responsável pelo movimento herético e moralmente nocivo que surgiu na antiga Ásia Menor (hoje Turquia) em meados do primeiro século. Porque favoreciam a idolatria e a imoralidade, como o vidente Balaão (cujo nome aparece 66 vezes na Bíblia), os nicolaítas eram também chamados de seguidores de Balaão (Ap 2.15) ou “balaanitas” (em hebraico).

Nicolau deixou o paganismo e converteu-se ao judaísmo (At 6.5). Depois, abandonou o judaísmo e converteu-se ao cristianismo. Mais tarde, afastou-se do cristianismo e tornou-se herético (caso se possa confirmar a acusação que há contra ele). Mudou três vezes de credo. Entrou na igreja militante e dela se retirou. O mesmo aconteceu com Demas, o cooperador de Paulo (Fm 24), que abandonou o apóstolo e a fé por ter se apaixonado por este mundo (2Tm 4.10).


Porém, antes de acontecer com Nicolau e com Demas, aconteceu também com Judas Iscariotes, que foi mais do que diácono e missionário. Judas abandonou nada mais nada menos do que o ministério apostólico (At 1.25).


De acordo com a tese de João — Judas, Nicolau, Demas e muitos outros daquela época e de épocas posteriores — “saíram de nosso meio, mas na realidade não eram dos nossos, pois, se fossem dos nossos, teriam permanecido conosco” (1Jo 2.19).


Revista Ultimato